Por que ainda ouvimos Girls Just Want to Have Fun?
Por Marcello Almeida
Fonte: https://www.teoriacultural.com.br/post/por-que-ainda-ouvimos-girls-just-want-to-have-fun#google_vignette
Cynthia Ann Stephanie Lauper nasceu em 22 de junho de 1953, no Queens, em Nova York. Desde menina, cercada pela voz de gigantes como Ella Fitzgerald e Billie Holiday, aprendeu que a música podia ser um espaço de liberdade. Incentivada pela mãe a explorar sua criatividade, pegou o violão aos 12 anos e começou a compor, dando seus primeiros passos na arte que a acompanharia para sempre. Mas não foi um caminho reto: tentou estudar artes visuais, largou a escola aos 17, e precisou enfrentar uma Nova York dura até se reinventar. Essa inquietação, esse desejo de não caber nas molduras, foi o que moldou a artista que o mundo conheceria anos depois.
O grito colorido de resistência com Girls Just Want to Have Fun
Cyndi Lauper não apenas cantou uma canção pop dos anos 80. Ela a transformou em manifesto. Quando lançou Girls Just Want to Have Fun em 1983, como parte do clássico 'She's So Unusual', Lauper fez algo raro: pegou uma música escrita por um homem nos anos 70 — originalmente carregada de um tom machista, em que as mulheres apareciam mais como objeto do que sujeito — e a subverteu completamente. Ao seu toque colorido, rebelde e único, a faixa deixou de ser um retrato antiquado para se tornar um hino de empoderamento e liberdade feminina.
O gesto está nos detalhes: versos como “Some boys take a beautiful girl / And hide her away from the rest of the world” se transformam, na voz de Lauper, em recusa. Ela não aceita a ideia de ser escondida, controlada, protegida. Pelo contrário: quer caminhar ao sol, viver intensamente, rir, dançar — existir em plenitude. Na sua interpretação, o “se divertir” não é trivialidade. É política. É libertação.
E há também a dimensão íntima, cotidiana. Quando Lauper canta para a mãe, reconhece as pressões sociais, as limitações impostas, mas responde com leveza: “Oh, mother dear, we’re not the fortunate ones / And girls, they wanna have fun.” É um recado direto a uma geração inteira: mesmo sem privilégios, mesmo diante das amarras, as mulheres têm direito de viver a vida em sua própria potência.
O videoclipe reforça esse espírito com cores, irreverência e a própria mãe de Cyndi participando da cena. É pop, é divertido, mas também é um retrato de união feminina — uma explosão contra a caretice e as regras sufocantes da época. Não à toa, a canção sobrevive como símbolo de um tempo que se abriu para novas vozes, novas formas de estar no mundo.
Décadas depois, Lauper ainda revisita esse hino. Quando o transformou em “Girls Just Want Equal Funds”, em campanha por igualdade salarial, mostrou que a música não envelheceu. Ela apenas se atualiza, pois a luta segue. Entre luzes de neon, cabelos coloridos e melodias radiantes, há ali um grito que continua a ecoar: as garotas querem — e merecem — viver a vida em liberdade.
E talvez hoje ela soe ainda mais urgente. Vivemos tempos em que as manchetes escancaram a violência contra as mulheres, em que o direito de existir livremente precisa ser reafirmado todos os dias. É aí que a cultura pop mostra sua força: uma canção colorida, dançante, alegre, mas carregada de significado, pode ser uma arma contra o machismo estrutural.
É por isso que ainda ouvimos Girls Just Want to Have Fun. Porque no fundo, essa não é apenas uma canção pop. É um espelho daquilo que ainda buscamos: leveza, autonomia, igualdade e a coragem de dançar na cara de quem insiste em dizer o contrário.
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